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A prostituição e a mercantilização do corpo feminino

Um estudo da fundação francesa Scelles revelou que, atualmente, cerca de 40 milhões de pessoas se prostituem, sendo que 75% são mulheres na faixa etária dos 13 aos 25 anos e, 90% ligadas a cafetões. Mesmo assim, cada vez mais se oculta que são as mulheres a grande maioria das pessoas que são prostituídas, como se a existência de prostituição masculina, de travestis e transexuais, retirasse o caráter patriarcal desse tipo de ocupação.

Criou-se um discurso que justifica a prostituição, banalizando o que é uma das maiores violências cometidas contra as mulheres. A naturalização dessa verdadeira mercantilização do corpo feminino faz com que as pessoas pensem que esta certamente é a melhor opção para as prostitutas, argumentando que as mesmas são “mulheres da vida”. Mas afinal, que vidas são essas? Quais são as circunstâncias impostas a essas mulheres que as levam a recorrerem à prostituição?

Muitas pessoas têm buscado reduzir a prostituição a um trabalho como outro qualquer, como se fosse só mais um serviço, realizado, em todos os casos, por livre escolha das mulheres. O que não é levado em consideração é o fato de que, dentro da prostituição, não existem só as prostitutas. Existem clientes, empresários, cafetões e cafetinas. Sendo assim, ela não pode ser pensada só a partir de um comportamento individual quando representa, na verdade, uma instituição; uma estrutura econômica que movimenta dinheiro à custa de corpos femininos.

É necessário compreender também que a prostituição é um dos pilares do capitalismo patriarcal, estruturado no controle dos homens sobre o trabalho, o corpo e a sexualidade das mulheres. O modelo de sexualidade desse sistema mantêm as mulheres presas à dicotomia de santas/putas enquanto determina para os homens um “apetite sexual” insaciável. A prostituição aparece como uma forma de suprir esses supostos desejos masculinos incontroláveis; o que demonstra como ela é um mecanismo de controle e exploração. Em um maior aprofundamento, a prostituição é a expressão máxima da força do patriarcado e do que ele representa, na medida em que há um reconhecimento dos clientes como senhores sexuais das prostitutas, que precisam atender, com o uso de seus corpos, a todas as demandas masculinas.

Mas essas demandas não se resumem a meras exigências de um serviço. Apesar de ser uma fonte de renda para quem se prostitui, há certas diferenças entre a prostituição e outras ocupações etrabalhos. A primeira diferença está no fato de que é um cliente do sexo masculino que participa do contrato de prostituição e não um patrão. Portanto, os interesses do cliente são interesses sexuais; ele não busca lucro. O corpo da prostituta e o “serviço” que ele prestará é o que importa para esses clientes. Dessa maneira, a prostituição não pode ser caracterizada como uma simples venda de força de trabalho quando o corpo da mulher está diretamente envolvido e representa o objeto do contrato.

A prostituição também cumpre um papel econômico, partindo-se do pressuposto de que existe um mercado mundial que visa a mercantilização dos corpos, controlando essas mulheres em um âmbito maior. Mas também existe um controle por parte dos cafetões. A ideia de que as prostitutas são autônomas e empoderadas mascara as relações de poder e opressão as quais estas mulheres estão submetidas. Esconde anos de abusos sexuais, estigmatizações, violência física e violência institucional. O esquema da prostituição é diverso, mas na maioria das vezes as mulheres precisam pagar aluguel de quarto, comida, e muitas vezes entram em uma relação abusiva com seus “patrões”, os cafetões, que usam da violência como forma de gratificação sexual , de punição, humilhação e intimidação, para mostrarem que exercem total controle sobre as mulheres prostituídas. Além disso, a maioria das mulheres adentra o mundo da prostituição quando ainda são adolescentes ou até mesmo crianças.

Isso leva a uma reflexão com relação às condições de vida dessas mulheres e os motivos que as levam à prostituição. Para a filósofa espanhola Amélia Varcacel, a vulnerabilidade, a pobreza e a marginalização são as causas da prostituição, e não as suas consequências. As mulheres não buscam a prostituição porque lhes parece uma opção mais fácil para ganhar dinheiro, mas porque não têm escolha. Em uma citação do livro “Meninas da noite” de Gilberto Dimenstein: “Elas não têm nada para vender. Não sabem ler, cozinhar, escrever. Só podem vender o único bem que possuem: o corpo”. Além disso, na maioria das vezes as mulheres que recorrem à prostituição não possuem altos graus de escolaridade, e por isso, não conseguem adentrar o mercado de trabalho.

Vemos atualmente no Brasil o crescimento de um debate sobre a regulamentação da prostituição, principalmente com o Projeto de Lei Gabriela Leite, do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ). As propostas de regulamentação são apresentadas a partir do argumento de que a prostituição é um trabalho como outro qualquer; que cada pessoa vende algo e, neste caso, as mulheres vendem o corpo. Por isso devem ser consideradas “trabalhadoras do sexo”.

O PL, com seus míseros seis artigos, não visa melhorar as vidas das mulheres prostituídas, visto que não prevê nenhuma política pública que contribua para que essas mulheres possam ficar livres da violência e da estigmatização. Além disso, não prevê nenhum tipo de acompanhamento médico ou obrigatoriedade de exames para essas mulheres.

O artigo 2 do Projeto de Lei permite uma apropriação, por parte dos cafetões, de até 50% do lucro obtido nos serviços sexuais realizados pela mulher. Isso é uma completa afronta às mulheres prostituídas, visto que concede ao explorador um poder econômico sobre a prostituta, restringindo a liberdade dela sobre o próprio corpo. A mulher não tem sequer o direito de reter para si todo dinheiro obtido a partir de seus serviços, e ainda poderá ser obrigada a trabalhar mais, mesmo não querendo, para que o cafetão receba uma quantia maior.

O artigo 3 do PL também considera permitida a manutenção de casas de prostituição, desde que as mesmas não exerçam nenhum tipo de exploração sexual. Este tipo de medida, porém, favorece todos os aspectos da indústria sexual. É possível observar isso através do que ocorreu com outros países que legalizaram este tipo de serviço. Em 2000, o governo da Holanda legalizou a prostituição, incluindo a permanência de prostíbulos. Em vez de adquirirem direitos trabalhistas, as prostitutas passaram a sofrer abusos ainda mais intensos por parte de seus cafetões, que agora eram considerados empreendedores sexuais. Da mesma forma, toda violência sexual e psicológica sofrida por essas mulheres era agora incluída nos chamados “riscos ocupacionais”.

Com a legalização, diversos bordéis foram transferidos para Amsterdã, que se tornou um centro de prostituição com poucas restrições. A partir disso, o tráfico de mulheres cresceu de forma absurda, com mulheres trazidas da África, Europa e Ásia para serem exploradas.

A Alemanha legalizou a prostituição em 2002. O país, desde então, se tornou um centro para o turismo sexual. Dados apontam que a indústria sexual, nesse país, fatura anualmente cerca de 14,5 bilhões de euros. Ao mesmo tempo, constatou-se que mais de 90% das prostitutas em território alemão são estrangeiras (a maioria romena e búlgara). Estas mulheres foram traficadas e levadas até a Alemanha, já que é quase impossível para elas, pessoas na maioria das vezes muito pobres, financiarem sua própria imigração, bancar os custos da viagem, os documentos necessários, bem como estabelecerem-se no negócio sem uma ajuda externa. É necessário observar, também, que, apesar da estimativa de que existam cerca de 200 a 400 mil mulheres na situação de prostituição na Alemanha, e apesar de as autoridades reconhecerem direitos trabalhistas e previdência social, apenas 44 pessoas estão registradas como “prostitutas” na Agência Federal de Emprego.

Estes dados demonstram como os projetos de regulamentação da prostituição focam explicitamente na legalização do mercado sexual e na expansão do tráfico de mulheres. Além disso, reforçam a mensagem de que o acesso dos homens ao corpo das mulheres por meio do dinheiro é legítimo aceito; mais uma forma de banalizar a prostituição.

Diante disso, deve-se pensar, não na simples regulamentação desse tipo de serviço, mas no oferecimento de uma vida melhor para as mulheres que se encontram nessa situação, na garantia de políticas públicas de educação, saúde, emprego, lazer. São necessárias ações do Estado para pôr fim à violência que as prostitutas sofrem, principalmente por parte dos cafetões e dos policiais, mas também por parte da própria população, que estigmatiza essas mulheres, colocando-as à margem da sociedade. Além disso, devem-se adotar políticas de apoio para capacitar essas mulheres para que elas possam ter maior possibilidade de escolhas concretas e, por mais difícil que seja, saber que existe a opção de sair da prostituição.

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/01/120118_prostituicao_df_is.shtml

http://www.pucsp.br/iniciacaocientifica/20encontro/downloads/artigos/ISABEL_BERNARDES_FERREIRA_e_MAYRA_CARDOSO_PEREIRA.pdf

https://marchamulheres.wordpress.com/2013/02/22/por-que-nem-amsterda-quer-as-casas-de-prostituicao-legalizadas/

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1012829

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/07/internacional/1460050306_463588.html

https://br.boell.org/sites/default/files/prostituicao_uma_abordagem_feminista.pdf


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