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História do feminismo no Brasil, parte 1


Dissertar sobre a história do movimento feminista no Brasil é refletir sobre o papel da mulher durante toda a história do país. É falar sobre rebeldia e constante sede de transformação. É, principalmente, entender que as relações patriarcais estão presentes na nossa sociedade há muito tempo, e que não há outro sentimento a não ser o de profunda solidariedade por todas as mulheres que tomaram a frente e desafiaram a ordem social. Resolvi dividir esse texto em duas partes; a primeira vai até 1970. A segunda, segue a partir daí até a atualidade.

Na época do Brasil Colônia, (1500-1822) as mulheres negras estavam à margem da sociedade; estupradas e exploradas na senzala. Porém, lutaram incansavelmente pelo fim da escravidão. A mulher indígena, tão violentada quanto, não deixou de resistir à colonização europeia. Isso nos leva a enxergar o feminismo no Brasil por outra perspectiva, entendendo que as raízes do movimento se encontram nessas mulheres, embora elas estejam apagadas da história.

A mulher branca já exercia o papel de dona do lar, se casando muito jovem e tendo a vida destinada a cuidar dos filhos. À mulher nenhuma era garantido o direito à instrução; à leitura, ao conhecimento. Porém, mesmo diante de todos os obstáculos possíveis, muitas delas conseguiram se destacar na história do país, principalmente nos movimentos pela independência. Um exemplo é Maria Quitéria, que se vestiu de homem para combater as tropas portuguesas.

Outra personalidade feminina de extrema importância na época foi Dandara dos Palmares. Esposa de Zumbi, ela lutou com armas pela libertação de negros e negras no país, liderando homens e mulheres. Lamentavelmente, sua luta foi apagada pelo machismo, que só tem memória para homens.

Durante o Império (1822-1889) passou a ser reconhecido o direito à educação da mulher, área em que seria consagrada Nísia Floresta, fundadora da primeira escola para meninas no Brasil. No século XIX, já surgiam brasileiras que lutavam pelo direito ao voto, porém de forma muito individual. Até então não havia uma proibição de fato à interação das mulheres na vida política, porque elas nem eram citadas na Constituição de 1881. Simplesmente não existiam na cabeça dos constituintes como seres dotados de direitos. A exclusão da mulher já era algo tão naturalizado que nem era mencionado nas leis.

Com base nisso, muitas mulheres passaram a requerer o alistamento como eleitoras e candidatas, durante o período em que essa constituição vigorou. Um grande estimulante e disseminador de ideias feministas na época foi a imprensa das mulheres. O Brasil foi o país latino-americano onde houve maior empenho do jornalismo feminista. Esses jornais abordavam desde os direitos das mulheres até conhecimentos práticos em áreas como saúde e educação, além de manifestações literárias.

O primeiro foi o Jornal das Senhoras, publicado pela primeira vez em 1852, por Joana de Paulo Manso. Outros jornais também mereceram destaque na época, como O Eco das Damas e O Sexo Feminino.

Na Primeira República, (1889-1930) a república oligárquica, o Brasil se viu diante de um novo cenário, em que as cidades cresceram e a burguesia enriquecia cada vez mais à custa dos trabalhadores. As mulheres operárias eram duplamente exploradas, por trabalharem em casa e na indústria. Lutavam juntamente com os homens, embora suas conquistas sempre fossem menores.

Começaram então a serem promovidas marchas e greves, que reivindicavam principalmente a redução da jornada de trabalho das mulheres para oito horas diárias (elas trabalhavam nove horas e meia por dia).

Essas operárias constituíam uma face “mal-comportada”do feminismo na época, articulando questões feministas aos ideais anarquistas e, posteriormente, comunistas. Segue abaixo dois trechos de um manifesto do jornal Terra livre, escrito por operárias do setor de vestuário:

“Como se pode ler um livro, quando se vai ao trabalho às 7 da manhã e se volta para casa às 11 da noite?”

“E nós também queremos nossas horas de descanso para dedicarmos alguns momentos à leitura, ao estudo, porque quanto à instrução, temos bem pouca; e se essa situação continua, seremos sempre, pela nossa inconsistência, simples máquinas humanas manobradas à vontade pelos mais cúpidos assassinos e ladrões.”

Enquanto isso, o movimento sufragista ganhava força, e em 1910 a professora Leolinda Daltro e a poetisa Gilka Machado fundaram o Partido Republicano Feminino, que pretendia principalmente o direito ao voto. Em 1917, Leolinda organizou uma passeata com quase 100 mulheres. No cenário da época, esta passeata foi de grande impacto numa sociedade na qual a mulher só transitava nas ruas por extrema necessidade, e sempre acompanhada.

O Partido Republicano Feminino perdeu força nos últimos anos da década de 1910. Na mesma época, Bertha Lutz retornava de Paris, e juntamente com Maria Lacerda de Moura, fundou a Federação Brasileira Para o Progresso Feminino (FBPF), que lutava principalmente pela igualdade política entre homens e mulheres.

Bertha Lutz foi uma cientista, educadora e precursora do feminismo no Brasil. Licenciou-se na faculdade de Sorbonne, em Paris, onde estudou ciências naturais. Foi pesquisadora do Museu Nacional, tornando-se a segunda brasileira a fazer parte do serviço público no Brasil. Ela também escreveu em jornais e viajou para os Estados Unidos e para a Europa, representando o país em conferências, como a Conferência Pan-Americana da mulher nos Estados Unidos.

A federação liderada por Bertha tinha um caráter extremamente homogêneo, já que seu núcleo era inteiramente composto por mulheres da elite econômica e intelectual. Podemos citar, entre as participantes, Francisca Frois, uma das primeiras médicas do país, Anésia Pinheiro Machado, a primeira aviadora do Brasil, além de professoras, jornalistas e cientistas. Dessa forma, o feminismo da FBPF era um feminismo “bem-comportado”, que agia no limite da pressão interclasse. Não eram propostas novas organizações das relações patriarcais; a opressão da mulher pobre, analfabeta e negra não era colocada em xeque.

É importante observar que, a partir da década de 1920, as ideias da FBPF foram se espalhando pelo país, passando a encontrar eco em alguns políticos da República. Juvenal Lamartine, governador do estado do Rio Grande do Norte, foi um grande aliado da federação. Quando eleito, articulou a elaboração da primeira lei do voto feminino, em 1927.

Já na Segunda República, (1930-1964) a luta pelos direitos políticos femininos assiste a um grande marco. Em 1932, no governo de Getúlio Vargas, o Código Eleitoral incluiu a mulher como detentora do direito de votar e ser votada, em todo país.

O golpe de 1937, que pôs Getúlio Vargas na posição de ditador, calou grande parte da movimentação pelos direitos da mulher. Nessa situação de ditadura, a luta das mulheres fundiu-se com a luta dos demais, que defendiam a democracia e posteriormente protestavam contra o nazi-fascismo durante a Segunda Guerra. Uma dessas mulheres foi Olga Benário, membro da União Feminina.

Em 1945, com o fim do Estado Novo, surgiram comitês e associações de mulheres, num esforço para a participação feminina da consolidação da democracia. Elas se destacaram na luta pela defesa das riquezas nacionais, ameaçadas pelo imperialismo, e também na luta pela paz mundial. Questões relativas à libertação da mulher, como aborto, sexualidade, controle de fertilidade, não eram sequer mencionadas.

Em 1949, Romy Medeiros, advogada, cria o Conselho Nacional das Mulheres, cujo principal objetivo era lutar por iniciativas institucionais em prol das mulheres. Ao longo de 1950, foi uma grande militante pelos direitos das mulheres casadas, que tinham o exercício da sua cidadania controlado pelos maridos, que podiam negar-lhes permissão para trabalhar ou sair de casa. Finalmente, depois de grande luta, o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121) foi aprovado em 1962, e marido e mulher passam a ter os mesmos impedimentos legais. Porém, seus artigos ainda reforçavam ideias patriarcais.

“O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher no interesse comum do casal e dos filhos.”

Com o golpe civil-militar de 1964, as associações de mulheres praticamente desapareceram. A grande maioria das militantes feministas esteve envolvida ou foi simpatizante da luta contra a ditadura militar no país, tendo algumas delas sendo presas, perseguidas e exiladas pelo regime.

É notável, portanto, a consciência clara por parte de grupos organizados de que existiam de fato grandes questões que não podiam ficar para uma luta específica: como a volta da democracia, o fim do racismo e da desigualdade social, entre outras. O feminismo brasileiro, dessa forma, é e sempre foi, um movimento que luta pela autonomia das mulheres num espaço extremamente marcado pelo político.

Referências:

TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. Brasiliense, 1993.

PINTO, Celina Regina J. Uma história do feminismo no Brasil. Perseu Abramo, 2003.

http://feminismo.org.br/historia/

http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2014/11/07/e-dandara-dos-palmares-voce-sabe-quem-foi/


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