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O amor libertário de Simone de Beauvoir


Foto: Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre

As questões defendidas e desenvolvidas pela escritora, intelectual e filósofa, Simone de Beauvoir, muito abalaram ideais conservadores e patriarcais. Uma grande crítica descrita em seus livros foi sobre a posição da mulher, não apenas num contexto social mais abrangente, mas mais especificamente, no casamento tradicional.

O “amor conjugal”, segundo a autora, seria somente mais uma das imposições sobre a mulher. Inclusive, o casamento tratava-se como validação daquela mulher. Um reflexo da vida de obrigações, como o trabalho doméstico e de cuidados com marido e filhos. Beauvoir explica que tal amor conjugal sequer corresponde a um amor real; corresponderia ao tédio da rotina e a um posicionamento conveniente. O amor não estaria presente nessas relações, sendo sustentada apenas por dependências, monotonia e tédio.

“Não são as pessoas que são responsáveis pelo fracasso do casamento, é a própria instituição que é pervertida desde a origem” (Beauvoir).

Em contrapartida, o casamento autêntico bastaria da união de pessoas autônomas por pura vontade: “O ideal seria que dois seres humanos, cada um deles se bastando a si próprio perfeitamente, se ligassem um ao outro pelo livre consentimento de seu amor” (Beauvoir).

“Seria preciso que o casamento fosse a união de duas existências autônomas, não uma abdicação, uma anexação, uma fuga, um remédio. Antes de poder ser uma esposa e mãe, precisa tornar-se uma pessoa. Esse casal equilibrado não é uma utopia.” (Beauvoir)

Uma afronta à vida burguesa. Repulsivo aos relacionamentos institucionais. Subversivo ao casamento e seu sistema de posse do homem sobre a mulher. Incompreendido pela geração dos anos 1930, mas também pela atual. Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre arriscaram-se ao ideal do amor libertário.

Idealizadores do existencialismo, basearam sua relação em um modelo autoral onde o amor se expressa em amores necessários e amores contingentes. Como exemplo da relação de Beauvoir, Sartre seria seu amor necessário, aquele que não se pode escapar. Transcende às relações carnais e valida-se pela conexão intelectual de duas mentes. E os outros casos de ambos seriam amores contingentes, aquele que se pode, mas não se quer escapar.

A fim de manter essa relação, basearam-se em um acordo de reciprocidade. Ambos seriam, na medida do possível, fiéis um ao outro. Nada tornariam segredo do parceiro. Não se casariam e não teriam filhos. Curiosamente, Beauvoir foi apaixonada por um escritor norte-americano e quase se casou com ele, mas pelo trato com Sartre, recusou a proposta.

“Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre” (Beauvoir).

Apaixonados um pelo outro até a morte partilharam desse estilo de vida. Rejeitavam o sentimento de posse e o tratamento de pessoas como meros objetos. Seu legado, não foi apenas para a filosofia, mas também, para a sociedade. De toda transparência e sinceridade entenderam que amores não são excludentes e somente a aceitação resulta numa relação verdadeira. Tal que, a liberdade de uma parte ofusca o orgulho da outra. A naturalização de ciúmes seria totalmente prejudicial, sendo esse sentimento somente uma “romantização” do poderio e, portanto, repudiado. Em tese: “Querer ser livre é também querer livres os outros”, sintetiza Beauvoir.

Algumas problemáticas, todavia, são relacionadas a essa forma de envolvimento. A dificuldade de aceitação, devido à forma que desde pequenos as relações são transmitidas, pode resultar em inúmeros momentos desagradáveis a uma das partes, principalmente para a mulher. A desconstrução do padrão seria, portanto, mediada por crises até o estado ideal. A gravidez pode ser muito complicada nesses parâmetros. Tal que, alegando-se fora de contratos, a legitimação daquele descendente poderia se tornar ainda mais turbulenta do que acontece atualmente.

Cabe também um debate sobre a elitização dos parceiros e superficialidade das relações. O amor livre, visto dessa forma, seria apenas uma maneira de ter liberdade com envolvimento e seletividade quanto ao assumir. Caso não havendo essa questão de assumir, até que ponto as relações não passariam de meras satisfações de prazer e reforçariam a objetificação do outro?

“Em nosso pacto esquecemos um detalhe de peso. Os outros têm sentimentos” (Fala do personagem Sartre representado no filme: “Os amantes do café Flore”).

O amor libertário trata da não aceitação do que é ditado pela sociedade e pelas instituições e da utilização de diferentes formas de expressão em uma ligação pelos envolvidos, sem regras estabelecidas previamente. Aquilo que foge da liberdade de ambos, foge também do amor livre. O ideal não aceita nenhuma das citadas problemáticas porque dele haveria devoção completa do amor sincero onde não se associaria a relação com outros e superficialidade, elitização entre parceiros, e a gravidez seria somente uma resultante da beleza e da consolidação do sentimento.

Ainda há muito a se refletir sobre a pauta, mas compreende-se completamente que: o amor libertário não é idealizado para todos. Será necessária muita luta para livrar a humanidade daquilo que a oprime. Nem todos conseguem sair da fôrma moldada, e pela dificuldade dessa concretização, não se pode expressar até onde essa mudança representaria o melhor, e não apenas algo falho.

Porém, o que desejo destacar é que existe um modelo de relação que busca uma vida sem regras ditadas pela sociedade, sem aprisionamento. Um relacionamento simplesmente gratificado pelo ato de relacionar-se. Tal que, quando presente, basta, independente do mundo. O nome? Amor livre.

Referências:

BEAUVOIR, S. de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

Filme: Os amantes do café Flore (Ilan Duran Cohen)

https://avecbeauvoir.wordpress.com/2010/11/09/o-existencialismo-e-um-romantismo/


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