top of page

História do feminismo no Brasil, parte 2


O texto que vocês lerão agora é a parte 2 de dois textos sobre o panorama histórico do feminismo no Brasil.

Da década de 1970 até os dias atuais:

No contexto da ditadura militar, no ano de 1972, em São Paulo e no Rio de Janeiro, começam a aparecer grupos feministas inspirados no feminismo do hemisfério norte (um movimento mais libertário, que colocava em questão os valores conservadores da sociedade, inspirado principalmente no livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir) Eram grupos de reflexão, extremamente privados. O feminismo então foi se espalhando pelo país, com dezenas, e talvez centenas de grupos como esses. Não há como ter conhecimento de um número exato, devido à dispersão do movimento.

Os primeiros grupos eram formados por mulheres intelectuais de esquerda, profissionais e mulheres de meia-idade. Foi criado pela iniciativa de duas delas que haviam morado nos Estados Unidos e na Europa e lá entrado em contato com as novas ideias feministas. Discutia-se de tudo: doenças sexualmente transmissíveis, libertação feminina, sexualidade, aborto, etc. Dessa forma, é notável o pioneirismo desses grupos, que introduziram questões até então completamente ignoradas no Brasil.

O ano de 1975 tem sido considerado um momento inaugural do feminismo brasileiro, marcado pela decisão da ONU de defini-lo como o Ano Internacional da Mulher. A partir daí a condição da mulher ganhava um novo status no mundo.

No Brasil, grupos feministas, antes privados, buscaram patrocínio da ONU e montaram eventos que se tornaram um marco na história do feminismo no país, por exemplo, o primeiro deles, intitulado “O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira”. Também foi criado o Centro de Desenvolvimento da mulher brasileira. Segue um trecho da proposta de criação do centro:

“O objetivo principal do centro será combater a alienação da mulher em todas as camadas sociais para que ela possa exercer o seu papel insubstituível e até agora não assumido no processo de desenvolvimento.”

Manifestação a favor da legalização do aborto na Praça da Sé, em São Paulo, nos anos 1970.

Manifestação a favor da legalização do aborto na Praça da Sé, em São Paulo, nos anos 1970.

Durante os cinco anos de atuação do Centro, o mesmo conseguiu abrigar, de certa forma, as três tendências principais do feminismo: o liberal, o marxista e o radical. As duas primeiras, apesar de suas diferenças, tinham uma natureza mais política e coletiva, extrapolando a luta específica da mulher. O feminismo radical, por sua vez, trazia para discussão outras questões pouco faladas na sociedade: aborto, contracepção, sexualidade.

Em 1977, a Lei do Divórcio, número 6.515 é aprovada.Além dessa, outras relacionadas ao casamento ou à sexualidade das mulheres foram sendo modificadas ao longo do tempo.

É importante frisar que essa nova onda feminista, inspirada no hemisfério norte, não era muito bem acolhida por uma sociedade brasileira extremamente sexista. Além disso, nesse contexto de repressão que foi a ditadura, movimentos sociais tinham bastante dificuldade em ascender; um

cenário bem diferente do que foi presenciado na Europa e nos Estados Unidos por volta de 1960.

Diante disso, as mulheres entravam em contato com o feminismo internacional, por meio de conferências ou pela literatura; traziam questões para os grupos de reflexão, mas tinham pouco sucesso em levar essas questões a debate público. A própria esquerda via o feminismo como um desvio em relação à luta fundamental (para esse grupo) do proletariado contra a burguesia.

A partir da década de 1980, com a redemocratização do país (acompanhada pela anistia e pelo fim do bipartidarismo), foram criados conselhos, ministérios e até delegacias que se ocupavam exclusivamente das questões da mulher. O feminismo acadêmico também ganhou força, com grupos de pesquisas em ciências humanas voltadas para o estudo da mulher.

Novos coletivos são fundados, como o primeiro grupo de mulheres rurais do país. O Coletivo de Mulheres Negras também entra nesse contexto, com o primeiro Encontro Nacional de Mulheres Negras, contando com a participação de 450 mulheres negras de todo país, em 1988, em Valença (RJ).

O feminismo passa a ser institucionalizado; ação concretizada com a Constituição de 1988, que consagrou conquistas importantes no campo dos direitos da mulher. São algumas delas:

“Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (Art5º,I);

“Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário com duração prevista de cento e vinte dias” (Art7 º, XVIII)

Para entender essas institucionalização do movimento, é necessário compreender que, sem uma devida aproximação do feminismo com o Estado e partidos políticos, talvez essas mulheres não conseguiriam o apoio ou a visibilidade necessária para a mudança de leis e criação de conselhos.

Porém, com essa ação, o feminismo passa a enxergar um grande dilema, que se estende até os dias atuais: mesmo rompendo com a impermeabilidade do Estado, os grupos não conseguem espaço nas instâncias decisórias; o Estado continua intervindo no corpo e na vida da mulher sem consultá-la.

Um exemplo disso é a baixa representação feminina no poder legislativo. Para a Câmara dos Deputados, na legislatura 1986-1990, apenas 5,7% da Casa era composta por mulheres.

Na década de 1980, o feminismo também passa a abordar novos temas, como a violência contra mulher, que era visto como uma questão privada do casal, na qual o Estado não deveria intervir. Dessa forma, surgem inúmeras organizações de apoio às vítimas de violência doméstica, como a SOS Mulher. Essas organizações ofereciam profissionais da área de saúde e da área jurídica à disposição das mulheres.

Outro tema que também passou a ser central nas esferas de discussão do feminismo foi a saúde da mulher, envolvendo maternidade, prevenção do câncer, aborto e planejamento familiar. A sexualidade feminina também passou a ser abordada com mais frequência. Era a primeira vez na história que questões como essa foram levadas a debate público. Dessa forma, entendemos que os anos 1970-1980 foram marcantes para o feminismo do país.

Os anos 1990 não foram muito propícios à expansão de movimentos sociais, havendo mesmo um retraimento da maioria deles. O feminismo perdeu um pouco de força nessa época, se tornou difuso; começaram a aparecer manifestações antifeministas. Porém, ao mesmo tempo em que isso acontecia, aumentavam os números de ONG’S voltadas para “novas” questões feministas, como as mulheres que vivem no espaço rural, prostitutas, mulheres negras, mulheres portadoras de HIV, etc. Essas ONG’S ajudaram numa segmentação da luta feminista, a partir de críticas ao feminismo branco, de classe média, heterossexual e intelectual, que sem dúvida não representava todas as mulheres.

Exemplos dessas ONG’S: Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CCFMEA) e Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE). Tanto o CCFMEA e a AGENDE atuam na esfera da alta política. Já a Articulação da Mulher Brasileira (AMB) foi criada para preparar a ida de mulheres brasileiras à Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, em Pequim.

Na virada do milênio, além da criação dessas organizações, também houve um crescimento significativo no número de vereadoras e prefeitas eleitas. Dessa forma, se pode observar que os movimentos de mulheres se dirigiam ao conjunto da sociedade na sua forma mais geral, mudando não só a organização da sociedade civil, mas níveis do Estado. A partir dessa época, o Brasil vive a terceira onda do feminismo, uma continuação das lutas travadas nas décadas anteriores.

Nos anos 2000, as mulheres conquistaram mudanças no Código Civil e no Código Penal brasileiro, além da criação da Central de Atendimento à Mulher, (Ligue 180) um serviço para apresentar denúncias de violência.

Em 2002 ocorreu o I Encontro das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, evento ocorrido em Manaus, com participação de 70 lideranças (de 20 organizações e 30 povos indígenas). Seu objetivo geral é o de promover a participação das mulheres indígenas nas diversas instâncias assim como assegurar seus direitos, e também contribuir para o avanço do movimento indígena.

Durante o encontro, foi criado o Departamento de Mulheres Indígenas (DMI/Coiab), com o objetivo de defender os seus direitos e interesses nos vários âmbitos de representação, nacional e internacional.

Além disso, houve a criação da ilustre Lei Maria da Penha, em 2006, sendo a primeira lei que caracteriza e define a violência doméstica e familiar contra a mulher, um verdadeiro avanço no combate à violência de gênero.

Não podemos deixar de citar também que, em 2010 a primeira presidenta do Brasil foi eleita. Dilma Rousseff nasceu em Minas Gerais, e antes de seu mandato foi ministra durante o governo de Lula. Apesar de ter decidido por manter a legislação sobre o aborto, (apenas em casos de estupro, risco de morte para mãe, ou quando o feto é anencéfalo) Dilma foi um marco político, provou que as mulheres podem estar presentes em todos os espaços, até no cargo mais alto do poder Executivo brasileiro. Ela também convocou nove mulheres para os ministérios, recorde de representação nesse tipo de cargo.

Mas talvez a maior diferença dessa última onda do feminismo brasileiro, em relação às anteriores, seja a militância ativa das mulheres, incorporada em marchas pelos direitos femininos. As mulheres da “nova geração” têm pleno conhecimento de uma cultura patriarcal, uma cultura que as inferioriza e as oprime; que impõe rótulos e as trata como meros objetos descartáveis. Surgem, dessa forma, diversas ações extremamente públicas, como a Marcha Mundial das Mulheres e a Marcha das Margaridas, protagonizadas por mulheres corajosas que não têm medo de gritar nas ruas pelo fim da desigualdade.

Em 2011 em Toronto, Canadá, surgiu a primeira Slutwalk, uma passeata pelo fim da culpabilização das vítimas de agressão sexual. No mês seguinte, no Brasil, ocorreu a primeira Marcha das Vadias, inspirada na marcha que ocorreu anteriormente.

O nome, considerado polêmico por muitos, leva as mulheres a refletirem sobre a palavra vadia, que muitas vezes é usada para justificar diversos tipos de agressão. Dessa forma, feministas usaram a força da palavra para ressignificá-la, afirmando que uma vadia é uma mulher que não se cala diante da violência. Essa marcha é caracterizada por performances, cartazes impactantes e exposição do corpo como forma de protesto; como ferramenta política.

“Se ser livre é ser vadia, então somos todas vadias.”

A facilidade da comunicação pela internet também possibilitou a difusão dessa nova onda feminista, usando as redes sociais como forma de conscientização. Um exemplo disso foi o protesto online, intitulado “Eu não mereço ser estuprada”, que movimentou o Facebook e o Twitter em 2014.

A manifestação aconteceu um dia depois da divulgação de um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que indicou que 65% dos 3.810 entrevistados concordam, total ou parcialmente, com a ideia de que mulheres que deixam o corpo à mostra merecem ser atacadas. Indignadas com o dado, muitas delas aderiram ao protesto online e postaram fotos seminuas. A campanha pedia que mulheres tirassem a roupa, se fotografarem da cintura para cima, com um cartaz que dissesse: “Eu também não mereço ser estuprada”.

Já em 2015, houve uma explosão desse “novo” movimento feminista no país, marcado como a Primavera das Mulheres ou Primavera Feminista. Há várias razões para essa explosão; uma delas começou a ganhar forma a partir da exibição da edição brasileira do programa Masterchef infantil. A partir disso, surgiram diversos comentários pedófilos em várias redes sociais, direcionados a uma menina de doze anos.

Como forma de chamar a atenção para isso, um grupo feminista organizou uma campanha intitulada #primeiroassedio, em que se pedia para que as mulheres brasileiras contassem sobre seu primeiro caso de assédio sexual. Foram muitas as mensagens; em quatro dias, cerca de 82.000. Outras campanhas, ou hashtags, também denunciaram diversos tipos de violência contra a mulher, como a tag #MeuAmigoSecreto. Além disso, o tema da redação do ENEM nesse ano de 2015 foi: a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.

Ao mesmo tempo, tramitava na Câmara dos Deputados o PL 5069, de Eduardo Cunha, que dificultava o acesso ao aborto legal, em casos de estupro. Isso também fez com que um número enorme de mulheres fosse para as ruas para reter, com todo o empenho, uma conquista que já possuíam.

Essa é a fase pela qual passa o feminismo no Brasil nos dias atuais, uma fase barulhenta e cheia de militância. O movimento já tem uma pesada bagagem histórica, mas como outras lutas populares no Brasil, o feminismo ainda tem uma longa trajetória pela frente.

Referências:

http://feminismo.org.br/historia/

http://www.folhadevilhena.com.br/rdn/wp-content/uploads/2015/02/marcha-das-vadias.jpg

http://mulheresincriveis.org/entrevistas/o-novo-feminismo-e-mais-alegre/

http://jornalggn.com.br/noticia/linha-do-tempo-feminista-no-brasil

http://oglobo.globo.com/brasil/protesto-nao-mereco-ser-estuprada-movimenta-facebook-apos-resultado-de-pesquisa-12018281

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/opinion/1447369533_406426.html


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page